Violência contra a mulher
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Violência contra a mulher
J T P KS w K M z RV A q g o V c p x S a z Y T K f A b e g X L L R ZV s eGUP U O F Q a s EB y u r E g Resumo Executivo Violência contra a mulher estudo revela predominância de viés policialesco na cobertura noticiosa do tema Estudo coordenado pela ANDI – Comunicação e Direitos e pelo Instituto Patrícia Galvão no âmbito do Observatório Brasil da Igualdade de Gênero (Eixo Comunicação e Mídia), da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República. w GH Brasília, setembro de 2011 H gD e y DY o T c Z A O HW u T Y A V o x S a c p s q g K f T P X L L R P Z V e U KSa Us QwEBF KOu rGME z Ry V g Casos de agressão ganham destaque, mas Lei Maria da Penha é esquecida pelas redações Estudo revela comportamento da imprensa diante do tema Violência contra a Mulher 1 2 3 4 5 Noticiário está focado em casos individuais, em detrimento de discussão mais ampla sobre o fenômeno Fontes oficiais são as mais citadas nas reportagens, em especial representantes da Polícia Mais de 20% das notícias sobre o tema são destacadas em chamadas de capa Conflitos e contradições na aplicação da Lei Maria da Penha não são foco de atenção. Políticas públicas também permanecem fora da pauta. Monitoramento pioneiro teve como base a produção editorial de 16 jornais de todo o País ao longo de 2010. Foram analisadas 1.506 notícias Dados extraídos do estudo “Análise da Cobertura da Imprensa sobre Violência contra as Mulheres”. 3 | Resumo executivo “Violência contra Mulher” E mbora a violência cometida contra mulheres seja pauta presente nos jornais impressos brasileiros – tanto os de veiculação nacional como os de alcance regional/local –, a qualidade desse noticiário, em termos de abrangência e aprofundamento investigativo do conteúdo, ainda encontra desafios. Estudo pioneiro realizado pela ANDI – Comunicação e Direitos e pelo Instituto Patrícia Galvão, no âmbito de projeto vinculado ao Observatório Brasil de Igualdade de Gênero (Eixo Comunicação e Mídia), revela que o foco majoritário dessa cobertura está em fatos individualizados, relatados a partir de um viés policial, deixando de lado uma abordagem mais ampla do problema. O monitoramento – que teve como base a produção editorial de 16 jornais impressos de todo o País, entre os dias 1º de janeiro e 31 de dezembro de 2010 – revela que, mesmo após a entrada em vigor da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), os veículos noticiosos brasileiros ainda têm dificuldades em tratar a violência contra as mulheres enquanto fenômeno complexo e multidimensional. QUAIS FORMAS DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER SÃO ABORDADAS PELA IMPRENSA? (Proporção de violências mencionadas nas matérias, 2010) Tipo de violência % Física 48,68 Sexual (cometido contra maiores de 14 anos) Abuso sexual (cometido contra menores de 14 anos) 11,22 7,97 Cárcere privado Psicológica Moral Exploração sexual infantil Exploração sexual Patrimonial Tráfico de meninas e mulheres Violência ou injúria racial Outra 7,89 3,25 2,32 1,70 1,55 1,16 1,16 0,54 12,54 COBERTURA ESTÁ FOCADA EM CASOS INDIVIDUAIS, EM DETRIMENTO DE DISCUSSÃO MAIS AMPLA SOBRE O FENÔMENO A principal característica da cobertura sobre violência contra as mulheres é a individualização do problema: 73,78% das notícias analisadas trazem esse enfoque. Ou seja, o noticiário se limita a abordagem de casos pessoais, em de- 4 | Resumo executivo “Violência contra Mulher” trimento de uma perspectiva que contemple a dimensão pública da questão, exigindo respostas das diferentes instâncias do Estado e da própria sociedade. Ao abordar a violência contra a mulher sob uma perspectiva individualizada e policial, a maioria dos veículos tratou o problema de forma descontextualizada das esferas de governo e dos esforços empreendidos – ou não – para gerar soluções diante da questão. No conjunto das matérias analisadas, pouco mais de 13% do enquadramento principal está relacionado ao Estado e suas ações para a prevenção e combate ao crime. NOTICIÁRIO LOCAL/POLICIAL REPRESENTA QUASE METADE DA COBERTURA A análise dos dados permite afirmar que o assunto vira notícia especialmente quando ocorrem casos reais de violência – sobretudo se a agressão for cometida por motivação passional e com crueldade. Esse perfil de noticiário ocupa geralmente as páginas dos cadernos/seções de notícias locais e de polícia. De acordo com os números coletados, 35,10% dos textos sobre violência cometida contra mulheres são publicados nas seções de notícias locais. Os cadernos policiais são destino de outros 15,70% desse noticiário. Quando o assunto vira pauta da imprensa? Embora tenha sido observado um predomínio do viés policial, nem só destes casos alimenta-se o noticiário sobre o assunto. Segundo o levantamento conduzido pela ANDI e Instituto Patrícia Galvão, a violência contra as mulheres também é pautada, ainda que em escala bastante menor, quando são divulgados: • Pesquisas com números impactantes sobre o problema, tais como a realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), segundo a qual há escassez de delegacias de atendimento à mulher e casas abrigo nos municípios brasileiros. • Dados sobre o número de casos de violência sexual em escolas. • Estatísticas acerca dos atendimentos do serviço Ligue 180, da Secretaria de Políticas para as Mulheres. 5 | Resumo executivo “Violência contra Mulher” QUASE 20% DAS NOTÍCIAS SOBRE O TEMA SÃO DESTACADAS EM CHAMADAS DE CAPA Segundo os dados coletados, 19% das notícias sobre mulher e violência são apresentadas na chamadas de capa – índice bem acima do verificado para outras análises de mídia temáticas já realizadas pela ANDI. Embora o espaço de capa seja considerado nobre – usualmente ali são apresentadas as notícias consideradas de maior relevância e apelo jornalístico –, as matérias sobre violência contra mulher garantem destaque a partir de um viés mais sensacionalista, já que a maior parte desse noticiário ocupa as páginas dos cadernos de Cidades e Polícia, conforme ressaltou a pesquisa. Baixa presença nos espaços opinativos Chama também atenção a pequena quantidade do material publicado nos espaços de opinião (artigos, editoriais, colunas e cartas de leitor). Segundo os dados coletados, menos de 6% dos textos sobre violência contra mulheres provinham das chamadas seções opinativas. Em geral, estas seções veiculam textos analíticos e mais aprofundados, contribuindo para a contextualização do fato jornalístico e do problema em foco. Nesse sentido, um maior investimento por parte da imprensa em entrevistas com especialistas, artigos de opinião e editoriais poderia contribuir para uma compreensão mais ampla do fenômeno e suas correlações no âmbito das relações familiares, da diminuta rede de acolhimento e atenção disponível no País, do descompasso entre o discurso de representantes do poder público e da dotação orçamentária para ações de prevenção e atenção às vítimas, entre outros pontos. POLÍTICAS PÚBLICAS FORA DA PAUTA A abordagem de investimentos públicos e seus resultados em políticas de prevenção e assistência a mulheres vítimas de violência ainda constitui um desafio para os jornais impressos brasileiros. Apenas 2,13% das notícias sobre o assunto abordaram políticas públicas. O dado permite afirmar que, ao menos na cobertura desta temática, a imprensa deixou de lado seu importante papel no monitoramento e avaliação das ações do poder público voltadas à prevenção e combate de problemas sociais. 6 | Resumo executivo “Violência contra Mulher” No âmbito nacional, os veículos noticiosos poderiam ter investigado, por exemplo, a razão de não haver – tanto por parte do Poder Executivo quanto da sociedade organizada – uma avaliação consistente e sistemática da qualidade dos serviços públicos de atenção a mulheres vítimas de violência e das iniciativas de capacitações dos profissionais que neles atuam. De acordo com especialistas, além de escassos, esses serviços têm reduzido alcance e baixo impacto no combate ao problema. Já a imprensa regional/local, por sua vez, poderia abordar a precária interiorização dos serviços de atenção às mulheres vítimas desse crime – especialmente de delegacias especializadas. Cobertura está restrita à simples narrativa dos fatos Mais de 80% das notícias analisadas não apresentam denúncias sobre o problema da violência contra as mulheres, assim como não oferecem um olhar crítico sobre as causas do fenômeno e não discutem propostas ou soluções para o problema. Os dados sugerem, portanto, despreocupação ou despreparo por parte dos profissionais de imprensa em oferecer ao tema cobertura investigativa – que incluiria a apuração de causas e a busca de soluções, além da crítica à insuficiência das políticas públicas ou mesmo exemplos de iniciativas bem-sucedidas e que poderiam ser replicadas em outras localidades. VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: UM CRIME SEM LEI? A abordagem de um tema a partir do debate de marcos legais existentes na área permite à imprensa avançar para além de noticiários meramente descritivos e factuais, contribuindo para um entendimento mais amplo da questão. No entanto, esse não foi o caminho adotado pela maioria dos veículos impressos que noticiaram a violência cometida contra mulheres no período analisado. Mais de 86,67% das notícias sobre o assunto não mencionam nenhuma das legislações existentes na área. Dentre as poucas notícias que trazem alguma alusão a marcos regulatórios vigentes, a maior parte cita a Lei Maria da Penha, instituída em 2006. No Brasil, a Lei Maria de Penha é a principal referência para a abordagem da questão da violência doméstica em relação aos direitos das mulheres no 7 | Resumo executivo “Violência contra Mulher” que diz respeito à proteção e apoio às vitimas – e também de afastamento e punição dos agressores. Tendo como fundamento a Constituição Federal e Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, a lei Maria da Penha também contempla importantes questões raramente mencionadas pela imprensa – tais como a ausência de mecanismos para a coleta de dados e disponibilização de estatísticas oficiais, a necessidade de mais campanhas informativas e a importância do papel educativo da família, da escola e da sociedade em geral em relação à promoção de mudanças de atitude e comportamento. BRASIL ASSINOU COMPROMISSOS INTERNACIONAIS DE ENFRENTAMENTO AO PROBLEMA, IMPRENSA IGNORA Segundo o levantamento conduzido pela ANDI e pelo Instituto Patrícia Galvão, os veículos noticiosos não abordam acordos e convenções internacionais que tratam sobre a violência contra as mulheres em seus vários aspectos. Em todo o período analisado, apenas uma notícia mencionou compromissos assumidos pelo Brasil perante a comunidade internacional a fim de prevenir e combater essa forma de violência. Dentre os acordos que poderiam ter sido destacados pelos veículos noticiosos estão documentos importantes, como a Declaração do Milênio/Metas do Milênio (ONU, 2000), o Protocolo para Prevenir, Reprimir e Punir o Tráfico de Pessoas, Especialmente Mulheres e Crianças (ONU, 2000) e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, “Convenção de Belém do Pará” (OEA, 1994). ANÁLISE REVELA PLURALIDADE DE VOZES, EMBORA PREVALEÇAM FONTES OFICIAIS, EM ESPECIAL DA POLÍCIA Os cidadãos e cidadãs comuns são as fontes mais frequentes no noticiário sobre violência contra a mulher – o que confirma a percepção de que a cobertura oferecida pelos veículos impressos ao tema está focalizada no fato em si e na individualização do problema. Também chama atenção a maciça presença de representantes da Polícia nesse noticiário, ouvidos em 25,83% dos textos. Além de, mais uma vez, indicar 8 | Resumo executivo “Violência contra Mulher” a perspectiva policialesca concedida ao assunto, o dado contribui para a constatação de que os profissionais de imprensa têm priorizado as fontes oficiais na construção das matérias. Além da Polícia, são também comumente consultados o Judiciário (8%), o Ministério Público (3,67%) e o Executivo estadual (3,1%). Entre as fontes independentes, destacam-se os especialistas, com 11,30% das citações nas matérias pesquisadas. Por fim, vale registrar a reduzida presença das organizações da sociedade civil como fontes de informação, com apenas 1,41% das citações. MAIORIA DAS NOTÍCIAS NÃO INDICA ONDE BUSCAR SERVIÇOS DE DENÚNCIA OU ATENDIMENTO Mesmo com a entrada em vigor da Lei Maria da Penha – que determina a disponibilização de ampla rede de atendimento às vítimas de violência contra a mulher –, a imprensa ainda tem dificuldades na abordagem desse aspecto. Segundo os dados coletados, 96% dos textos não fazem referência a serviços de denúncia ou atendimento às vítimas de violência, tais como o Ligue 180 da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) e as Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher (DEAMs). Outra lacuna é a falta de reportagens que abordem a precária situação dessa rede de atenção às mulheres. De acordo com dados apresentados pela SPM, em 2010 havia, em todo o país, apenas 126 centros de referência, 80 casas abrigo, 41 defensorias públicas e 30 juizados especializados em violência contra as mulheres – números que refletem o baixo comprometimento dos poderes públicos no enfrentamento da questão. 9 | Resumo executivo “Violência contra Mulher” A CULPA NÃO É DA VÍTIMA Dentre as notícias analisadas, apenas 13,49% mencionam ou buscam discutir as causas gerais da violência contra a mulher. Embora o percentual seja baixo – representando um desafio à imprensa no aprofundamento da discussão sobre o tema –, vale destacar que a maior parte desses textos não atribui às vítimas a responsabilidade pela violência sofrida, argumento por vezes utilizado para justificar a prática do crime, de acordo com especialistas. Segundo a análise realizada, nas poucas vezes em que as matérias discutem as causas gerais da violência contra as mulheres, é mencionada a ineficiência das autoridades públicas (28,05%), assim como a desestruturação familiar (12,20%) – sugerindo, nesse último caso, uma leitura estereotipada da mídia ou da própria sociedade, pois leva a dedução de que nas chamadas “famílias estruturadas” esse tipo de violência não ocorreria. IMPUNIDADE NÃO ESTÁ NA PAUTA Chama atenção, na análise do noticiário, o pequeno número de textos que mencionam a impunidade do agressor ou a dificuldade de penalizá-lo pelo crime de violência contra a mulher. Segundo o levantamento, pouco mais de 12% dos textos trazem esse tipo de abordagem – que inclui, entre outros aspectos, a discussão das dificuldades dos operadores da Justiça em implementar efetivamente as medidas punitivas previstas em lei, ou mesmo de tratar das contradições, conflitos e tensões existentes no campo do Direito em relação à Lei Maria da Penha. 10 | Resumo executivo “Violência contra Mulher” SOBRE A PESQUISA A “Análise da Cobertura da Imprensa sobre Violência contra Mulher” foi coordenada pela ANDI – Comunicação e Direitos e pelo Instituto Patrícia Galvão, no âmbito de projeto vinculado ao Observatório Brasil da Igualdade de Gênero (Eixo Comunicação e Mídia), da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República. A iniciativa tem como objetivo contribuir para o entendimento de como os assuntos relacionados às mulheres e à igualdade de gênero vêm sendo tratados pelo jornalismo impresso do País. Para isso, foi analisada a produção editorial de 16 jornais brasileiros – incluindo todos os diários cuja circulação se dá em âmbito nacional e também veículos de cada uma das cinco regiões brasileiras – ao longo de 2010. Questões como menção a estatísticas sociais, políticas públicas e legislação sobre o tema, assim como a ótica investigativa adotada, as fontes de informação utilizadas e a caracterização dos atores retratados fazem parte dos elementos investigados. Conheça abaixo as principais características da metodologia de análise de conteúdo utilizada no estudo, cujos resultados serão discutidos no seminário Imprensa e Agenda de Direitos das Mulheres – uma análise das tendências da cobertura jornalística, a ser realizado no dia 03 de outubro de 2011, em Brasília. • Amostra: 1.506 textos de 16 jornais impressos brasileiros, no período de 1º de janeiro a 31 de dezembro de 2010. • Veículos monitorados: Jornais de circulação nacional: Folha de S. Paulo/SP; O Estado de S. Paulo/SP; O Globo/RJ; Valor Econômico/SP; Correio Braziliense/DF. Jornais regionais: A Crítica/AM; A Gazeta/ES; A Tarde/BA; Diário de Pernambuco/PE; Folha do Povo/MS; Gazeta do Povo/PR; Hoje em Dia/MG; O Liberal/PA; O Popular/GO; O Povo/CE; Zero Hora/RS. • Classificação: matérias analisadas segundo instrumento de pesquisa quantitativa (questionário semi-estruturado). zD Z A K W V O yX E O Y D a e g e p x T Realização: Y Instrumento de pesquisa: elaborado pela ANDI e Instituto Patrícia Galvão em discussão com diversos(as) representantes de organizações que lidam com o tema. q • r a J